segunda-feira, 23 de maio de 2011

Garoto diz ter visto Jesus em viagem espiritual e seu relato se torna best-seller

Revista IstoÉ, 06.05.2011.

Ele tem cabelo castanho e tem cabelo no rosto. E os olhos dele… Ah, papai, os olhos dele são tão bonitos!” Foi assim, de um jeito tipicamente infantil, que o garoto americano Colton Burpo descreveu Jesus Cristo após encontrá-lo durante uma suposta viagem espiritual. Colton tinha apenas 4 anos de idade e viveu essa experiência ao fazer uma cirurgia para a retirada de um apêndice rompido. Ele afirma ter visitado o Céu, conhecido o filho de Deus e também sua irmãzinha. Tudo isso em apenas três minutos. Aí é que está o detalhe que levou muita gente a acreditar no garoto, hoje com 12 anos: essa irmã não chegou a nascer porque sua mãe sofreu um aborto espontâneo e Colton era muito pequeno para ter consciência do fato. Impressionado com as descrições do menino, o seu pai, Todd Burpo, que é um pastor protestante, decidiu contar tudo o que ouviu dele no livro “O Céu é de Verdade – O Impressionante Relato do Menino que Foi ao Céu e Voltou para Contar” (Thomas Nelson Brasil), feito em coautoria com a escritora Lynn Vincent, hoje no topo da prestigiada lista de best-sellers de não ficção do jornal “The New York Times”. Nos EUA foram vendidos mais de três milhões de exemplares. No Brasil, a primeira tiragem foi de 20 mil livros e uma segunda já está sendo preparada.

Colton e seu pai: três minutos no paraíso

Supõe-se que um dos trunfos do livro seja a maneira ingênua como Colton descreve Jesus e suas experiências no Paraíso, típica de uma criança à qual falta o pleno domínio do vocabulário. “Ei, papai, você sabia que Jesus tem marcadores?”, pergunta o menino, sem saber explicar de outra maneira as marcas da crucificação nas mãos e nos pés de Cristo. E continua: “Ele tem um cavalo. Sim, um cavalo da cor do arco-íris. Eu fiz carinho nele. Tem muitas cores lá.” No passeio de alguns minutos no Céu, o menino também teria conhecido um bisavô já falecido. Por informações como essa, os pais acreditaram em cada palavra. E, pelo visto, muitos leitores também.

A surpresa com o sucesso desse relato só não é maior porque o filão de livros sobre a possibilidade de vida em outra dimensão já demonstra vigor há algum tempo. Outra criança que teria passado por uma experiência de quase morte e recordado de tudo o que viveu em outro plano foi o americano Alex Malarkey, de 6 anos. Ele se tornou tema de documentário feito para a tevê nos EUA, baseado no livro “The Boy Who Came Back From Heaven” (O Menino que Voltou do Céu, ainda sem tradução no Brasil), sobre o que aconteceu com ele. Em Hollywood, o interesse por essas narrativas gerou recentemente o ótimo drama “Além da Vida”, de Clint Eastwood, filão que já provou a sua força no Brasil com a recente safra de filmes centrados no líder espiritual Chico Xavier. Apenas o longa “Nosso Lar”, inspirado na obra homônima do médium, superou os três milhões de espectadores.

Nota: Realmente, como diz a reportagem, este assunto não é novidade e tem sido explorado comercialmente há muitos anos pela indústria da literatura esotérica. O anseio humano de saber como é o Céu onde Deus habita pode ser saciado com a leitura de trechos da Bíblia como os capítulos 21 e 22 do livro de Apocalipse, entre outros que dão uma ideia do conceito de céu segundo a revelação principal do cristianismo. Como registrou o apóstolo Paulo, em I Coríntios 2:9: "mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam". O Céu prometido na Bíblia certamente será muito mais interessante e atraente do que se imagina.

As especulações alimentam uma indústria de livros de todo o tipo de autores e abordagens e possuem um nítido fundo espírita ou espiritualista. Essa linha de pensamento na aparente inocente descrição do garoto não foge muito dos documentos de autores espíritas sempre presentes na lista dos best-sellers brasileiros. É basicamente a mesma: alguém fora do seu corpo, em outra dimensão, vai ao céu ou a algum pretenso lugar de paz, tranquilidade em busca de respostas ou de pessoas a quem ama. Volta para relatar o que viu, ouviu e sentiu e isso se torna fato inquestionável e evidência de vida além da morte ou fora do corpo terrestre. 

É um conceito que difere do que a Bíblia Sagrada ensina ao dizer que não sabemos exatamente como será o Céu e nem temos acesso ao que lá ocorre hoje. Claro que temos acesso a Jesus Cristo por meio da oração e eventualmente visões. Lógico que não eu não posso afirmar que o menino não viu a Jesus, etc, como dizem, mas este relato me parece bastante sensacionalista. Qual é o objetivo deste tipo de publicação? Mostrar que precisamos viver realmente os ensinamentos de Jesus Cristo na prática, incluindo os mandamentos, ou reforçar a tese de que há vida fora do nosso corpo, de uma alma e um corpo distintos como pregou o dualismo grego há centenas de anos? São indagações que podem e merecem ser feitas ao lermos algo a respeito de um livro como esse. 

Essas experiências, como a do livro do garoto de 12 anos, mostram-se surpreendentes e até convincentes para muitos, mas qual o grau de confiabilidade que elas possuem se submetidas ao que a Bíblia Sagrada declara em seu contexto?

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